Falamos Grego (E Você Nem Sabia)

D. G. Gelman
4 min readApr 6, 2021

Há um ditado muito famoso do mundo ocidental que pode desmotivar profissionais de marketing, empreendedores e gurus da internet: ‘’O que foi tornará a ser, o que foi feito se fará novamente; não há nada novo debaixo do sol — Eclesiastes 1:9‘’. Mas esse mesmo ditado da Bíblia Sagrada pode animar e estimular esses profissionais. Se analisado sob uma perspectiva trabalhista, os mesmos obstáculos que estes passam já foram passados e superados por outros seres mais fortes e belos há muito tempo atrás em contos fantásticos, aventuras e batalhas épicas, numa época onde deuses e homens aparentemente coexistiam. Há quem acredite ou questione a existência destes mitos antigos e de mitos atuais como a fórmula mágica de enriquecer rápido na internet ou de um Brasil sem crise sanitária.

A Grécia resguarda, além de mitos, ruínas antigas, belas praias e shawarma, o berço da sabedoria ocidental: Mythos (narrações fantásticas) e Logos (ciência). As duas são polos opostos à explicação da origem do mundo, dos fenômenos da natureza e do que é ser humano, igual água e fogo. Essa dicotomia se perpetua em muitas áreas da vida há muito tempo e gregos como Hesíodo e Tales de Mileto marcaram essa dicotomia. Se alguma coisa é considerada nova, há grandes chances dos gregos já terem falado sobre isso.

Em um primeiro instante, no início do século VI a.C os mitos eram a única explicação da origem do universo e de seres sobrenaturais que controlavam as forças da natureza na forma de deuses. Tais fenômenos se dividiram em teogonia (origem dos deuses) e cosmogonia (origem do universo). Há, porém, um fundo de razão nesses mitos. Hesíodo, poeta grego, narra o poema de Prometeu e essa história carrega a simbologia de perda da sensibilidade humana para a promoção da razão, ou seja, a ‘’morte’’ da mitologia grega. O ato de Prometeu ao roubar o fogo de Zeus simboliza o furto da razão para a criação de grandes tecnologias e o avanço da civilização. A punição de Prometeu é ter seu fígado comido por uma águia por trinta mil anos. Pode-se interpretar que a águia é a religião e o fígado é a razão. Mais que isso, sabe-se que o fígado, graças à ciência, é o único órgão do corpo humano que se regenera e toda vez que o fígado de Prometeu se regenera, ele vive um eterno ciclo de fadiga, cansaço e sofrimento. Moral da história é que todo trabalho lógico nos afasta do paraíso.

Um poderia dizer que é graças a Tales de Mileto que temos aula online (Porra, você aprende o Teorema dele na escola, melhor homenagem possível). Considerado o primeiro filósofo que despontou a separação de logos e mythos, é o primeiro dos pré socráticos (filósofos anteriores a Sócrates) a contradizer os mitos e se basear na razão para promover o conhecimento. Mileto argumentava que o mundo e o ser humano surgem a partir de um único elemento primordial, referenciada como arché, e não de um deus do oceano. Esse elemento, na concepção de Tales, era a água, e não demorou muito tempo até que outros pré socráticos falassem que a água não era a arché, mas sim o ar (como diz Anaxímenes) ou os átomos (como diz Demócrito). Uma vez que Mileto era uma cidade portuária localizada na Ásia Menor, era comum a troca de perspectivas de vida e de mercadorias no local e não tardou até que o pensamento lógico transitasse para outros cantos do mundo. O que marca a passagem do mythos ao logos é a postura de se perguntar o porquê das coisas e sempre duvidar de tudo, que mais tarde foi consolidada por Sócrates como o comportamento e postura de um filósofo.

A cultura e a mitologia grega antiga continuam sendo as maiores influências do mundo contemporâneo. Em palavras como cronômetro (do grego cronos — titã do tempo) e onírico (do grego oniros — sonho; deus do sonho), figuras míticas são ‘’homenageadas’’ e referenciadas em palavras do cotidiano. No campo do entretenimento, histórias da cultura moderna como Harry Potter, Star Wars e Senhor dos Anéis tem o símbolo do herói e a dicotomia de bem e mal. Elementos narrativos estes oriundos dos mitos gregos que são reprisados continuamente em várias narrativas como A Ilíada, Odisséia e o teatro grego. O maior legado da cultura grega não são os mitos ou as filosofias, mas sim como é considerada a ‘’cultura mãe’’ de todas as outras.

--

--

D. G. Gelman

I write about life and geek things while being funny and smart at the same time. Articles in Portuguese and English. Based in Sao Paulo, Brazil.